O teatro-cinema de Federico León: imagens, corpos e temporalidades sobrepostas
*** Crítica publicada no site do Festival Escena Contemporanea (Madrid), sobre o espetáculo "Yo en el Futuro", de Federico Leon
>>> por Laura Pacheco . 29/01/2012
Quem esteve presente na abertura do XII Festival Escena Contemporanea de Madrid esta semana teve a sorte de deparar-se com uma obra de grande potencial poético, crítico e – por quê não – transgressor. Trata-se do espetáculo “Yo en el futuro”, do artista argentino Federico León, cineasta, ator e diretor de teatro que impressiona pela capacidade com que potencializa as linguagens do cinema e do teatro, fora de qualquer clichê que se possa imaginar a respeito do que seja uma proposta interdisciplinar entre as artes cênicas e visuais.
Memórias, personagens e histórias se cruzam. Películas em super-8, imagens de arquivo, projeções digitais coloridas e em preto e branco exibem-se numa rica composição cenográfica, dialogando com ações de um corpo presente, real, de carne e osso. É um corpo feminino de uma senhora de idade, cabelos brancos, movimentos lentos e sutis a tocar um piano. Seria uma atriz? uma musicista? uma performer? Ela toca o piano, atravessa o palco em seu ritmo compassado, contracena com imagens de seu próprio passado. Múltiplas narrativas se desenrolam entre ações e projeção: cenas passadas carregadas de presente. Desvela-se um diálogo rico entre corpos e imagens onde a memória, o tempo e o espaço tornam-se instâncias móveis, desestabilizadoras e reatualizadas. Ação ou encenação? Passado ou presente? Nem um nem outro, mas ambos. A obra de Federico Léon é capaz de confluir temporalidades diversas: um tempo que foi e um tempo que é, um tempo que passa e um tempo que chega.
Deparamo-nos com um roteiro às avessas que se desenrola num permanente ir e vir, uma dramaturgia composta e recompostas a partir do próprio embaralhamento do tempo: vida exposta e atualizada em diferentes etapas, sonhos que atravessam e que se permanecem ao longo dos anos, tempo cíclico que escorre da infância à maturidade e vice-versa. Com a licença poética, dialogando entre os limites das linguagens artísticas, permito-me remeter a obra de Federico León, situada entre o cinema e o teatro, à literatura brasileira do escritor mineiro Guimarães Rosa. Um ponto em comum entre ambos, traduzida na frase de Guimarães: “O tempo é que é matéria entendimento.”
Sem dúvida, “Yo en el futuro” aponta para uma infinidade de questões, percepções, leituras. Trata-se de um exímio trabalho artístico entre as artes cênicas e as artes visuais, onde tempo e imagem tornam-se mais do que recursos ou ferramentas de criação artística. Antes de mais nada, apresentam-se enquanto questões potentes de reflexão existencial, filosófica, histórica, poética. Um convite para os deslimites da criação artística contemporânea, onde qualquer padrão do que venha a ser uma construção dramatúrgica apresenta-se como um amplo campo a ser questionado, explorado e recriado.
>>> por Laura Pacheco . 29/01/2012
Quem esteve presente na abertura do XII Festival Escena Contemporanea de Madrid esta semana teve a sorte de deparar-se com uma obra de grande potencial poético, crítico e – por quê não – transgressor. Trata-se do espetáculo “Yo en el futuro”, do artista argentino Federico León, cineasta, ator e diretor de teatro que impressiona pela capacidade com que potencializa as linguagens do cinema e do teatro, fora de qualquer clichê que se possa imaginar a respeito do que seja uma proposta interdisciplinar entre as artes cênicas e visuais.
Memórias, personagens e histórias se cruzam. Películas em super-8, imagens de arquivo, projeções digitais coloridas e em preto e branco exibem-se numa rica composição cenográfica, dialogando com ações de um corpo presente, real, de carne e osso. É um corpo feminino de uma senhora de idade, cabelos brancos, movimentos lentos e sutis a tocar um piano. Seria uma atriz? uma musicista? uma performer? Ela toca o piano, atravessa o palco em seu ritmo compassado, contracena com imagens de seu próprio passado. Múltiplas narrativas se desenrolam entre ações e projeção: cenas passadas carregadas de presente. Desvela-se um diálogo rico entre corpos e imagens onde a memória, o tempo e o espaço tornam-se instâncias móveis, desestabilizadoras e reatualizadas. Ação ou encenação? Passado ou presente? Nem um nem outro, mas ambos. A obra de Federico Léon é capaz de confluir temporalidades diversas: um tempo que foi e um tempo que é, um tempo que passa e um tempo que chega.
Deparamo-nos com um roteiro às avessas que se desenrola num permanente ir e vir, uma dramaturgia composta e recompostas a partir do próprio embaralhamento do tempo: vida exposta e atualizada em diferentes etapas, sonhos que atravessam e que se permanecem ao longo dos anos, tempo cíclico que escorre da infância à maturidade e vice-versa. Com a licença poética, dialogando entre os limites das linguagens artísticas, permito-me remeter a obra de Federico León, situada entre o cinema e o teatro, à literatura brasileira do escritor mineiro Guimarães Rosa. Um ponto em comum entre ambos, traduzida na frase de Guimarães: “O tempo é que é matéria entendimento.”
Sem dúvida, “Yo en el futuro” aponta para uma infinidade de questões, percepções, leituras. Trata-se de um exímio trabalho artístico entre as artes cênicas e as artes visuais, onde tempo e imagem tornam-se mais do que recursos ou ferramentas de criação artística. Antes de mais nada, apresentam-se enquanto questões potentes de reflexão existencial, filosófica, histórica, poética. Um convite para os deslimites da criação artística contemporânea, onde qualquer padrão do que venha a ser uma construção dramatúrgica apresenta-se como um amplo campo a ser questionado, explorado e recriado.