Israel Galván: dança, performance e artes plásticas
*** Crítica publicada no portal Idança.net sobre a performance 'Solo' do bailaor flamenco Israel Galván
>>> por Laura Pacheco · 03/03/2009
A obra híbrida do artista espanhol e dançarino flamenco reverbera na 28ª Bienal de Arte Contemporânea de São Paulo
Num tempo em que a arte – chamada contemporânea – faz da crise material de investigação, a 28ª Bienal de Arte Contemporânea de São Paulo, intitulada Em vivo contato e finalizada em dezembro de 2008, arriscou outros territórios em seu formato atual, criando espaços de encontros, confrontos, fricções dentro do evento. O andar térreo da Bienal, chamado de praça pública, tornou-se espaço para crítica e reflexão, com vários debates e dezenas de trabalhos de performance, música, teatro, numa tentativa de arejar o próprio formato de ocupação do prédio e até do próprio programa da instituição.
Foi neste contexto que o corpo despontou como matéria de reflexão artística e foco de discussão, com destaque para o artista espanhol Israel Galván e a performance Solo…, seu mais recente trabalho. Vale destacar também as oficinas matinais do dançarino brasileiro Ivaldo Bertazzo e os vídeos de um dos grandes ícones da performance art, Marina Abramovic. No evento, era notório perceber o quanto as relações entre dança, performance e artes visuais podem estar imbricadas, e o quanto o diálogo entre as áreas artísticas pode provocar saudáveis reverberações em investigações sobre o corpo, quando os artistas se colocam “em vivo contato” com outras áreas, num tempo de diluição entre as fronteiras.
Atemo-nos ao trabalho do dançarino flamenco Israel Galván, hoje considerado um dos melhores dançarinos na Europa. Com os principais prêmios nacionais de seu país, ele ocupa atualmente lugar de destaque não só nas maiores Bienais de Flamenco da Espanha, claro, como também em festivais de dança contemporânea, teatro, galerias de arte. Entre suas admiradoras, está a coreógrafa alemã Pina Bausch, criadora do festival NRW International Dance Festival, onde Galván marcou presença uma semana antes de vir ao Brasil. Suas obras já rodaram o mundo: Inglaterra, Bélgica, França, Nova York, Áustria, Grécia, Suíça, China, Argélia, Ilhas Canárias – só para citar alguns.
Em seu trabalho, há muito da tradição do flamenco, mas também elementos do butoh, da dança contemporânea e do campo das artes plásticas, com a exploração de geometrias e vazios. Talvez, por isso, tenha sido nomeado pelos críticos e pela mídia de “flamenco-contemporâneo”. “Faço o que me cai bem, o que eu sinto bem no meu corpo, muito mais do que uma técnica específica. O baile butoh, por exemplo, não se pode ater-se a passos, mas sim às intenções. Isso me interessa”, explica Galván. Sem nos atentarmos às questões categóricas de como podemos ler a obra de Galván, o fato é que as ressonâncias propagadas por seu corpo sinfônico parecem ainda ecoar por terras brasileiras – certamente, um material rico para os interessados pelas artes do corpo, que ainda não conhecem seu trabalho, entrar em contato.
O que parece instigar em sua obra é a capacidade do artista em relativizar paradigmas e modelos, apropriar-se deles e transformá-los, atravessar conceitos a ponto de diluir-se neles, fazendo-nos revisitar nossos próprios limites, idéias, (pré)conceitos, seja enquanto dançarinos, investigadores do corpo, seja enquanto artistas. “O que me interessa é depurar conceitos por meio do movimento, esmiuçar, tirar o máximo proveito. É a potencialidade da gestualidade, o gesto em si, a maneira de se colocar uma mão ou a intenção de um braço”, pontua o dançarino.
A arquitetura sonora de Galván
Em Solo…, Galván faz do silêncio e da solitude matérias de investigação pessoal, compartilhando com a platéia o tempo e o frescor da criação. “A ideia é de que um dançarino está sempre só. É como se fosse um convite a um laboratório meu, ao meu ensaio que deixo ver. É um pouco sobre esse processo”, fala o artista. Em sua performance estão a dinâmica da escuta, da experimentação, da multiplicidade de possibilidades, do questionamento, numa permanente relação entre (re)conhecer-se, estranhar-se e decidir-se.
Os mínimos sons e até as mais complexas estruturas sonoras emitidas por Galván ganham cada vez mais dramaticidade e amplitude em sua escritura coreográfica. Suas virtuosas seqüências de sapateado transformam-se numa verdadeira polifonia de vozes – sem contar com o estalar de seus dedos, o arrastar de seu pés descalços na areia ou alguns dos sons vocais que emite. Neste contexto, o próprio ambiente também vai se revelando como elemento de composição cênica-sonora: um suspiro de alguém da plateia nos momentos de silêncio da obra, o choro de um bebê, o arrastar de uma cadeira, o caminhar de um visitante pelos outros andares da Bienal.
Uma arquitetura sonórica vai se constituindo no instante, em conjunto. Não há uma quarta parede entre artista e plateia. “É como se tivesse um cordão entre eu e o público, para que eu saiba mudar a intenção quando quiser. Para mim, ajuda muito esta relação, pois mudo muito de ritmo. O próprio público me faz mudar. Esteja eu no estado que estiver, tenho que ter a sensibilidade para perceber estas nuances. É meio que se deixar levar, no momento em que acredito”, explica Galván.
A extensa plataforma de madeira, suspensa por estruturas metálicas, e circundada por potentes microfones, captavam todo o som do ambiente. O dançarino, vestido de negro, sapatos e nenhum acessório, dividia o palco com poucos elementos cênicos: um punhado de areia, outro de um pó branco e uma cadeira. “Eu me relaciono muito com objetos em cena. Muito dessa relação vem de minha longa parceria de trabalho com o artista plástico Pedro Romero (diretor de seus obras). Diria que faço um flamenco de artes plásticas”, conclui.
Por um corpo performativo
Seu corpo era enfático, seus gestos tinham direções e por quês. Saíam como um feixe, muitas vezes, em direção ao público. Suas falas tinham foco, sentido, propósito e múltiplas direções. No espaço cênico, lia-se toda a partitura sonora e imagética de suas falas corporais. No tablado, o registro de sua escritura: após realizar uma seqüência de sapateado sobre um pó branco, Galván imprimia suas marcas no piso negro com seus pés, em passos de dança, caminhadas, pisadas, pegadas, apontamentos. Poderia ser uma caligrafia às avessas – o branco no preto? Ou um outro modo de se produzir e imprimir imagens? Suas questões pareciam se transformar em interrogações, pontos finais, vírgulas, exclamações… reticências de um discurso cênico.
Teria ele rompido com as tradições? “Creio que quando dizem que sou um inconformista, um vanguardista, que rompo as regras, é porque tento abrir novos caminhos, novas perspectivas, mas sempre com meu diálogo flamenco. Continuo vinculado às tradições, mas acredito que há que se revitalizá-las”, pensa o artista. “Creio que se eu não for flamenco, não sou um dançarino contemporâneo. Considero-me um dançarino de flamenco, com a liberdade de hoje”, completa.
Alguns curadores e críticos de arte vem considerando a obra de Galván como uma obra perfomática e plástica, na medida em que explora, por meio de seu corpo, geometrias, espaços vazios, texturas visuais, sonoras e táteis, criando verdadeiras composições pictóricas e sensoriais que se completam na recepção do público – seja na arquitetura sonora e efêmera que é capaz de criar, seja com as imagens que imprime com seus pés no piso negro, seja com as linhas de corpo que projeta no espaço; seja com as fotografias literalmente instantâneas de seu baile, seja na relação que cria com os objetos.
Performática, plástica, cênica, fotográfica, musical, o fato é que seu trabalho é uma obra tão aberta que o que se pode certamente considerar é a potencialidade não só da sua gestualidade, mas de seu discurso – irônico, ambíguo, provocativo. E, por isso, podemos considerá-lo um artista performativo, afinal, não há distância entre seu fazer e seu dizer. Sua fala é corpo.
Sua escritura coreográfica é fluida e dinâmica, mas surpreende pelo conflito e pela capacidade de questionamento que é capaz de instaurar. Principalmente, quando interrompe repentinamente uma sequência coreográfica, altamente musical, e instaura o silêncio, a pausa. Neste instante, tudo parece parar. É como se todas aquelas subdivisões sonóricas (rítmicas, compassadas, executada pelos pés), sofressem uma suspensão abrupta. Não há um movimento dinâmico, um sapateado virtuoso, mas sim uma espécie de fotografia do movimento. Galván nos coloca mais num lugar de estranhamento, dúvida e reflexão, do que propriamente de admiração, contemplação ou deleite, dando a sensação de uma espécie de dilatação ou estiramento do tempo.
Muito mais do que um exímio dançarino de flamenco, Israel Galván desponta como um artista independente, audacioso e consciente de sua postura enquanto tal. Ultrapassa as questões da virtuose musical de seu corpo e da complexidade rítmica de seu sapateado, fazendo de sua própria presença cênica o lugar do questionamento e da (re)significação. Desvela-se um amplo leque possível de relações, disparados não só por toda a estrutura de sua obra, mas pelo discurso corporal latente em todo o contexto criado pelo artista.
O que parece interessá-lo é a possibilidade de amplitude de diálogo, leitura, percepção de seu discurso, arriscar outras maneiras de dizer com o corpo, entender novas formas de articulação deste com o espaço, com o ambiente, com os objetos, com o público, e descobrir novas maneiras de produzir re-significações.
Mais do que modelos pré-estabelecidos, movimentos codificados ou qualquer técnica específica de dança flamenca, clássica, moderna ou contemporânea, mais do que complexas seqüências coreográficas, o que nos salta aos olhos é um corpo investigativo, questionador, inquieto, provocador, dotado de forte presença cênica. Enfim, é a própria personalidade do artista, sua intenção, sua proposta, suas questões ali colocadas, atualizadas cenicamente e colocadas diretamente aos que, diante dele, propuseram-se a estar.
***
Esta crítica teve como aporte teórico o livro "O fazer-dizer do corpo: dança e performatividade", da prof. dra. Jussara Setenta
>>> por Laura Pacheco · 03/03/2009
A obra híbrida do artista espanhol e dançarino flamenco reverbera na 28ª Bienal de Arte Contemporânea de São Paulo
Num tempo em que a arte – chamada contemporânea – faz da crise material de investigação, a 28ª Bienal de Arte Contemporânea de São Paulo, intitulada Em vivo contato e finalizada em dezembro de 2008, arriscou outros territórios em seu formato atual, criando espaços de encontros, confrontos, fricções dentro do evento. O andar térreo da Bienal, chamado de praça pública, tornou-se espaço para crítica e reflexão, com vários debates e dezenas de trabalhos de performance, música, teatro, numa tentativa de arejar o próprio formato de ocupação do prédio e até do próprio programa da instituição.
Foi neste contexto que o corpo despontou como matéria de reflexão artística e foco de discussão, com destaque para o artista espanhol Israel Galván e a performance Solo…, seu mais recente trabalho. Vale destacar também as oficinas matinais do dançarino brasileiro Ivaldo Bertazzo e os vídeos de um dos grandes ícones da performance art, Marina Abramovic. No evento, era notório perceber o quanto as relações entre dança, performance e artes visuais podem estar imbricadas, e o quanto o diálogo entre as áreas artísticas pode provocar saudáveis reverberações em investigações sobre o corpo, quando os artistas se colocam “em vivo contato” com outras áreas, num tempo de diluição entre as fronteiras.
Atemo-nos ao trabalho do dançarino flamenco Israel Galván, hoje considerado um dos melhores dançarinos na Europa. Com os principais prêmios nacionais de seu país, ele ocupa atualmente lugar de destaque não só nas maiores Bienais de Flamenco da Espanha, claro, como também em festivais de dança contemporânea, teatro, galerias de arte. Entre suas admiradoras, está a coreógrafa alemã Pina Bausch, criadora do festival NRW International Dance Festival, onde Galván marcou presença uma semana antes de vir ao Brasil. Suas obras já rodaram o mundo: Inglaterra, Bélgica, França, Nova York, Áustria, Grécia, Suíça, China, Argélia, Ilhas Canárias – só para citar alguns.
Em seu trabalho, há muito da tradição do flamenco, mas também elementos do butoh, da dança contemporânea e do campo das artes plásticas, com a exploração de geometrias e vazios. Talvez, por isso, tenha sido nomeado pelos críticos e pela mídia de “flamenco-contemporâneo”. “Faço o que me cai bem, o que eu sinto bem no meu corpo, muito mais do que uma técnica específica. O baile butoh, por exemplo, não se pode ater-se a passos, mas sim às intenções. Isso me interessa”, explica Galván. Sem nos atentarmos às questões categóricas de como podemos ler a obra de Galván, o fato é que as ressonâncias propagadas por seu corpo sinfônico parecem ainda ecoar por terras brasileiras – certamente, um material rico para os interessados pelas artes do corpo, que ainda não conhecem seu trabalho, entrar em contato.
O que parece instigar em sua obra é a capacidade do artista em relativizar paradigmas e modelos, apropriar-se deles e transformá-los, atravessar conceitos a ponto de diluir-se neles, fazendo-nos revisitar nossos próprios limites, idéias, (pré)conceitos, seja enquanto dançarinos, investigadores do corpo, seja enquanto artistas. “O que me interessa é depurar conceitos por meio do movimento, esmiuçar, tirar o máximo proveito. É a potencialidade da gestualidade, o gesto em si, a maneira de se colocar uma mão ou a intenção de um braço”, pontua o dançarino.
A arquitetura sonora de Galván
Em Solo…, Galván faz do silêncio e da solitude matérias de investigação pessoal, compartilhando com a platéia o tempo e o frescor da criação. “A ideia é de que um dançarino está sempre só. É como se fosse um convite a um laboratório meu, ao meu ensaio que deixo ver. É um pouco sobre esse processo”, fala o artista. Em sua performance estão a dinâmica da escuta, da experimentação, da multiplicidade de possibilidades, do questionamento, numa permanente relação entre (re)conhecer-se, estranhar-se e decidir-se.
Os mínimos sons e até as mais complexas estruturas sonoras emitidas por Galván ganham cada vez mais dramaticidade e amplitude em sua escritura coreográfica. Suas virtuosas seqüências de sapateado transformam-se numa verdadeira polifonia de vozes – sem contar com o estalar de seus dedos, o arrastar de seu pés descalços na areia ou alguns dos sons vocais que emite. Neste contexto, o próprio ambiente também vai se revelando como elemento de composição cênica-sonora: um suspiro de alguém da plateia nos momentos de silêncio da obra, o choro de um bebê, o arrastar de uma cadeira, o caminhar de um visitante pelos outros andares da Bienal.
Uma arquitetura sonórica vai se constituindo no instante, em conjunto. Não há uma quarta parede entre artista e plateia. “É como se tivesse um cordão entre eu e o público, para que eu saiba mudar a intenção quando quiser. Para mim, ajuda muito esta relação, pois mudo muito de ritmo. O próprio público me faz mudar. Esteja eu no estado que estiver, tenho que ter a sensibilidade para perceber estas nuances. É meio que se deixar levar, no momento em que acredito”, explica Galván.
A extensa plataforma de madeira, suspensa por estruturas metálicas, e circundada por potentes microfones, captavam todo o som do ambiente. O dançarino, vestido de negro, sapatos e nenhum acessório, dividia o palco com poucos elementos cênicos: um punhado de areia, outro de um pó branco e uma cadeira. “Eu me relaciono muito com objetos em cena. Muito dessa relação vem de minha longa parceria de trabalho com o artista plástico Pedro Romero (diretor de seus obras). Diria que faço um flamenco de artes plásticas”, conclui.
Por um corpo performativo
Seu corpo era enfático, seus gestos tinham direções e por quês. Saíam como um feixe, muitas vezes, em direção ao público. Suas falas tinham foco, sentido, propósito e múltiplas direções. No espaço cênico, lia-se toda a partitura sonora e imagética de suas falas corporais. No tablado, o registro de sua escritura: após realizar uma seqüência de sapateado sobre um pó branco, Galván imprimia suas marcas no piso negro com seus pés, em passos de dança, caminhadas, pisadas, pegadas, apontamentos. Poderia ser uma caligrafia às avessas – o branco no preto? Ou um outro modo de se produzir e imprimir imagens? Suas questões pareciam se transformar em interrogações, pontos finais, vírgulas, exclamações… reticências de um discurso cênico.
Teria ele rompido com as tradições? “Creio que quando dizem que sou um inconformista, um vanguardista, que rompo as regras, é porque tento abrir novos caminhos, novas perspectivas, mas sempre com meu diálogo flamenco. Continuo vinculado às tradições, mas acredito que há que se revitalizá-las”, pensa o artista. “Creio que se eu não for flamenco, não sou um dançarino contemporâneo. Considero-me um dançarino de flamenco, com a liberdade de hoje”, completa.
Alguns curadores e críticos de arte vem considerando a obra de Galván como uma obra perfomática e plástica, na medida em que explora, por meio de seu corpo, geometrias, espaços vazios, texturas visuais, sonoras e táteis, criando verdadeiras composições pictóricas e sensoriais que se completam na recepção do público – seja na arquitetura sonora e efêmera que é capaz de criar, seja com as imagens que imprime com seus pés no piso negro, seja com as linhas de corpo que projeta no espaço; seja com as fotografias literalmente instantâneas de seu baile, seja na relação que cria com os objetos.
Performática, plástica, cênica, fotográfica, musical, o fato é que seu trabalho é uma obra tão aberta que o que se pode certamente considerar é a potencialidade não só da sua gestualidade, mas de seu discurso – irônico, ambíguo, provocativo. E, por isso, podemos considerá-lo um artista performativo, afinal, não há distância entre seu fazer e seu dizer. Sua fala é corpo.
Sua escritura coreográfica é fluida e dinâmica, mas surpreende pelo conflito e pela capacidade de questionamento que é capaz de instaurar. Principalmente, quando interrompe repentinamente uma sequência coreográfica, altamente musical, e instaura o silêncio, a pausa. Neste instante, tudo parece parar. É como se todas aquelas subdivisões sonóricas (rítmicas, compassadas, executada pelos pés), sofressem uma suspensão abrupta. Não há um movimento dinâmico, um sapateado virtuoso, mas sim uma espécie de fotografia do movimento. Galván nos coloca mais num lugar de estranhamento, dúvida e reflexão, do que propriamente de admiração, contemplação ou deleite, dando a sensação de uma espécie de dilatação ou estiramento do tempo.
Muito mais do que um exímio dançarino de flamenco, Israel Galván desponta como um artista independente, audacioso e consciente de sua postura enquanto tal. Ultrapassa as questões da virtuose musical de seu corpo e da complexidade rítmica de seu sapateado, fazendo de sua própria presença cênica o lugar do questionamento e da (re)significação. Desvela-se um amplo leque possível de relações, disparados não só por toda a estrutura de sua obra, mas pelo discurso corporal latente em todo o contexto criado pelo artista.
O que parece interessá-lo é a possibilidade de amplitude de diálogo, leitura, percepção de seu discurso, arriscar outras maneiras de dizer com o corpo, entender novas formas de articulação deste com o espaço, com o ambiente, com os objetos, com o público, e descobrir novas maneiras de produzir re-significações.
Mais do que modelos pré-estabelecidos, movimentos codificados ou qualquer técnica específica de dança flamenca, clássica, moderna ou contemporânea, mais do que complexas seqüências coreográficas, o que nos salta aos olhos é um corpo investigativo, questionador, inquieto, provocador, dotado de forte presença cênica. Enfim, é a própria personalidade do artista, sua intenção, sua proposta, suas questões ali colocadas, atualizadas cenicamente e colocadas diretamente aos que, diante dele, propuseram-se a estar.
***
Esta crítica teve como aporte teórico o livro "O fazer-dizer do corpo: dança e performatividade", da prof. dra. Jussara Setenta